quarta-feira, 5 de abril de 2017

Criando Personagens

Os atores do seu palco...


Hallo, corpses.

       Como estão? Se divertindo com Filament, nossa última tradução? Contando os dias para a Páscoa? Apenas sofrendo para estudar com a época de provas chegando? De qualquer forma, eis que estou aqui mais uma vez para uma postagem mais teórica. Na verdade, estou pegando o gancho de algumas postagens maravilhosas que surgiram no Zero Corpse recentemente, como a série O Poder de uma Atmosfera, feita pelo nosso redator Bell, e o Criação de Mundos Fictícios da Beuregard.

       Diga-me leitor, agora que você tem o mundo e todas as artimanhas para tornar seu palco um lugar mais interessante, o que te falta agora? Os atores, óbvio! Mais exatamente... As personagens. Personagem vem de persona, termo grego que se referia às máscaras dos atores gregos. Como é da onde também vem o termo pessoa, personagem deve se referido com o artigo feminino (“a personagem”).

       Suas personagens e sua trama devem ser feitas uma para a outra ― ou no mínimo, se suportarem. Não é raro casos em que autores pensam em uma ótima personagem, mas quando vão encaixá-las na trama... Não há um desenvolvimento satisfatório, restando-lhes apenas guardá-la para uma nova oportunidade de brilhar.

        Vamos imaginar que você sim, tem um mundo prontíssimo, uma trama ansiando para ser desvendada, mas chegaste na difícil tarefa de encontrar personagens adequados. Não há uma ordem certa para você sair escalando seus atores, mas vamos começar da forma mais habitual...

A INSPIRAÇÃO|

        Como me foi dito por um palestrante que convenientemente é conhecido de minha família, “Arte é 1% de inspiração e 99% transpiração”. Ou seja, mesmo que você tenha aquela ideia genial, nada te será de útil se não conseguires desenvolver ou procrastinar sua obra. Mas como todos são suscetíveis a bloqueios, diversos métodos foram apresentados e você inclusive pode criar seu próprio para escapar desses obstáculos que acabam se tornando cruciais para a motivação de um artista. Portanto, apresento algumas maneiras táticas que aprendi ao longo dos tempos para começar sua criação:

• Criar a partir da sua própria imaginação, usando alguns conceitos da psicologia. |

       Um método complicado, afinal, você precisa conhecer certas combinações de personalidade de antemão e ter a noção que a personagem precisa ter um autoconceito sobre si e dos principais fatores externos a influenciaram ao longo do tempo. Mas nada impede de você prosseguir por este caminho.

• Basear em horóscopos e/ou outros estudos místicos que envolvam um padrão de personalidade. |

       Embora pareça cômico, usar dos estereótipos dos signos, e juntá-lo com o efeito que cada planeta proporciona, facilita e muito a combinação de características que por fim, forma a personagem. Quer um valentão da forma mais clichê? Nodo em Áries. Quer alguém sensível por fora, mas com um fogo totalmente atípico? Signos em água + Vênus em Escorpião. Basta aprender astrologia e voilà.

• Basear em pessoas reais de seu cotidiano. |

       Convenhamos, sempre tem aquela pessoa que você pensa, e tenta processar que ela é de carne em osso e não uma personagem (ou no mínimo dos casos, que ela não está imitando um). Por que não utilizar a característica mais marcante daquela pessoa, mudar coisa aqui e ali, e fazer uma personagem para sua obra? 

       Esta opção é inclusive um exercício comum no teatro, onde atores devem olhar pessoas aleatórias na rua ou mesmo em sua casa e assimilar seus toques pessoais para futuramente ser utilizado em um personagem apropriado.

• Basear-se em outras obras. |

       Não minta: Se você já está nesse ramo de criação há tempos, não resistiu e pegou sua personagem preferida (nem que seja apenas a aparência física) e deu umas mudadas básicas para que ela funcionasse como uma personagem sua. Tudo bem, este é um processo natural e aos poucos sua personagem irá se distanciar do modelo original.


       Um exemplo que me veio na cabeça é o personagem Herlock Sholmes, que é na cara de tacho o conhecido Sherlock Holmes de Arthur Conan Doyle, mas que Maurice Leblanc (autor da personagem Arsène Lupin, o Ladrão de Casaca) teve que realizar este pequeno trocadilho por conta de protestos do próprio Doyle por antes utilizar “Sherlock Holmes” nas histórias dele. Curiosamente, Arsène Lupin é uma referência básica quando se pensa em “Ladrão Fantasma” inspirando personagens como a persona do protagonista do novo Persona 5.


• Basear em partes de si mesmo. |

Cada ser humano tem centenas de pessoas distintas vivendo sob a mesma pele. O talento do escritor é dar nome, identidade, personalidade e fazerem se relacionar entre eles.   
Mel Brooks (tradução).

       Por incrível que pareça, até você pode servir de inspiração para uma personagem. O exemplo acima é só mais um dito sobre o quão complexo é a personalidade humana. Vamos lá, seja modesto: Há alguma característica que você ame em si? Por que não fazer sua personagem “herdar” isso? O oposto também vale ― não há nada de errado em preencher ele com algumas características que você queria ter. Como dito acima, aos poucos ele será uma parte distinta, ao ponto que não te afete lidar com ele perante a execução de sua arte.

• Basear-se em arquétipos narrativos, ou tropos. |

       “Arquétipo” é um termo criado por Carl Jung sobre para seu estudo sobre estrutura da personalidade humana. Apesar de serem 12 principais, o livro 45 Masters Characters de Vyctoria Lynn Schmidt traz mais exemplos que podem ser utilizados na narrativa, onde vocês podem conferir alguns neste site; Tropos são padrões de recursos utilizados em narrativas (incluindo personagens), quase como clichês, embora mais amplo em sua abordagem. O site TV Tropes (inglês) se dedica a catalogá-los então é uma ótima referência para sua criação.  

Ringmaster Clause
   Utilizando uma ou mais desses pontos de início, tenho certeza que algum rascunho bruto surgiu. Sugiro que sempre estes rascunhos brutos ― aparentemente toscos ― surjam, você anote em algum canto ou no mínimo amarre-o bem firme em sua mente. O que hoje é algo simples futuramente pode ser melhorado para um nível que você nem imaginava antes. Mas agora que ao menos tens algo, hora de começar a lapidar.

   E como se lapida uma personagem? Novamente, há métodos e métodos. Entretanto, a mais simples é a costuma ser chamada de “Método biográfico” ou carinhosamente “Ficha de RPG/Ficha criminal”. Muito das informações não irão seu público ― ao menos não explicitamente ― mas é bom ter elas na ponta do lápis para uma relação mais real entre personagem e obra. Abaixo está uma versão que juntei delas (sinta-se livre para acrescentar mais tópicos quando for fazer):

Nome completo: O nome de sua personagem. Lembre-se de que ele deve fazer sentido com o contexto inserido. Se houver, coloque apelidos. Família e entes queridos: Ela tem familiares vivos? Quem? Qual sua relação com todos?
Sexo biológico e gênero: Nem sempre você irá lidar com personagens que estão em harmonia com seu corpo. Estado de saúde: Ela “mora no hospital”? Tem uma doença crônica? Ou sempre foi a mais saudável da vizinhança?
Idade e data de nascimento: A idade implica responsabilidades proporcionais, bem como a época que sua personagem nasceu influencia sua visão de mundo. Humor: Sua personagem costuma ser bem-humorada, ou é um zangado da vida?
Orientação sexual: Qual é a orientação dela? Como ela se sente sobre isso? A sociedade aceita? Temperamento: Basicamente, o quanto sua personagem demora para atingir o estopim da paciência.
Residência: Onde ela mora? Algum indicativo de renda nela? Comportamento: Como ela se porta na maior parte do tempo? É do tipo que não fica quieta ou se deixar num canto vira parte da decoração?
Nível educacional: Chegou a terminar o fundamental ou tem PhD em química? Índole: Costuma ser bem-intencionada ou mal-intencionada?
Profissional: Qual seu emprego? Ela é feliz nele? Aspiração: O que a motiva a continuar vivendo?
Aparência física: Como é seu tipo físico? Ela tem tatuagem ou alguma cicatriz? Medos: Existe algo que a faça recuar? Alguma fobia?
Como se veste: Que tipo de aspectos ela busca em uma roupa? Conforto? Predominância de uma cor? Desejos: Existe algo de material que ela queira? Alguma carência que ela busca suprir?
Hábitos: Existe algo que ela faça de forma rotineira? Traumas: O que a paralisa totalmente, deixando suas ações debilitadas?
Hobbies: Como ela utiliza seu tempo livre? Preconceitos: Quais são os preconceitos dela? Como ela lida com eles?
Vícios: Cigarro? Álcool? Jogos? Internet? O que ela faz sobre isso (caso tenha)? Defeitos: Defina os pontos negativos de sua personagem.
Tique nervoso: Existe algum tipo de gesto que ela realiza inconscientemente em algumas situações? Qualidades: Defina os pontos positivos de sua personagem.
Gostos pessoais: Quais são as preferências dela? Ambição: Qual o objetivo maior dela?
Seu passado: Conte o passado da sua personagem, o que a levou ser quem é. O que a mantém no caminho: Que aspectos ajuda a não cair na loucura ou ao menos, ir contra sua índole?
Seu presente: Explique como ela está inserida atualmente no ambiente e na trama. Autoconceito: Como ela se vê, agora que você tem muitos pontos para considerar.

       Com esta ficha você poderá descobrir coisas e mais coisas sobre sua personagem que talvez jamais chegaria a pensar sem ela. Novamente, alguns fatores nem chegarão a ser citados na sua história, mas darão verossimilidade à força que sua personagem reage.

       Então, finalmente, podemos falar da personagem enquanto função e enfim chegar onde todo artista teme...  

O PROTAGONISTA |

       Sim, este alguém. A pessoa com quem o leitor passará a maior parte de seu enredo, a personagem que mais deve ser desenvolvida para propor um crescimento junto à narrativa. Parece uma missão difícil, mas é justamente por isso que o protagonista é o que recebe maior estudo e “atalhos” para a confecção de uma pessoa convincente. E um dos caminhos principais, que é interessante citar, é o caminho do herói e anti-herói.

Herói
É um caminho onde o protagonista passará pelos conflitos da trama e a terminará como alguém melhor do que era em seu ponto de início.

Anti-herói
Já neste caminho, os conflitos desgastarão o protagonista ao ponto de quebrar seus próprios princípios e se tornar alguém diferente ou
pior no final de tudo.

A grande sacada de OFF é que trilhamos
o caminho do Anti-herói... Pensando ser
a do Herói.
       Independente do caminho escolhido, ele é quem carrega a trama nas costas, ou seja, se você não o conhece bem ao ponto de torná-lo um peso morto na maioria das ações, a trama será diretamente afetada. O oposto também, afinal, não adianta um protagonista maravilhoso em uma trama pouco elaborada. É preciso cuidado ao manuseá-lo. Um bom protagonista torna-se mais famoso que seu próprio autor.


        

A personagem que está no mesmo alinhamento narrativo, mas não tem a responsabilidade de carregar a trama principal se chama co-protagonista.

O ANTAGONISTA |

O Sandman é um perfeito exemplo de antagonista que
não é maligno, apenas tem algum conflito com a
protagonista.
  A manifestação do desafio que o protagonista terá de enfrentar ao longo da trama e tal como ele, tem que ser trabalhado com muito afinco. Ele é a razão para todos os conflitos (o que geralmente leva o antagonista a ter a moral oposta do protagonista) e enfrentando-o, resolve-se também toda a obra. E nem sempre ele será um vilão com sorriso psicopata de canto a canto no rosto; uma criança descuidada que não entende seus erros ou mesmo a mãe do protagonista podem entrar nessa classificação.

  A sugestão que dou é desenvolver algo ou alguém que desperte a curiosidade ou puxe o protagonista para longe de seu local conforto, dando razões mais que suficientes para ele fazer todo um caminho para enfrentá-lo no final.

A personagem que está no mesmo alinhamento narrativo, mas não tem a responsabilidade de carregar a trama principal se chama oponente.

OS COADJUVANTES |
A Orca (Idate) de Wadanohara e o Grande mar azul é um
perfeito exemplo de coadjuvante, literalmente
aparecendo e saindo quando bem entende.
       São as personagens que estão livres das classificações ditas acima. Aparecem conforme a necessidade de auxiliar o protagonista ou a trama, mas depois de feito, elas são tiradas de cena para aparecerem quando seu auxílio for novamente for requisitado. Por conta dessas aparições ocasionais, seus princípios não são afetados diretamente pela trama, sendo mais “livres” para realizar suas ações, o que geralmente chama a atenção do público.

       É por isso que há dois Oscars direcionados diretamente com atuação: O melhor ator/atriz (para papéis de protagonistas ou antagonistas) e o melhor ator/atriz coadjuvante (para estes) uma vez que os critérios de avaliação são diferentes.

✜✜✜✜✜✜✜✜✜

       Eu sei que esta foi uma passada bem rápida pelo que é criar um personagem, mas me esticar iria cansar e confundir a cabeça de vocês, mas se esta postagem for de alguma ajuda futuramente, eu ficarei bastante contente.

       Qual o melhor protagonista dos RPG Makers para você? Antagonista? E coadjuvante? Não tenham medo de discutir sobre isso nos comentários.


- Neil

9 comentários:

  1. Jesus cristo, o que eu acabei de ler! Muito bom mesmo! Quando eu vou compor, eu sempre procuro compor por imagem, baseando em uma cena da minha cabeça e tentando encaixar a musica na cena. Ou em alguma coisa abstrata como amor, medo e escolhas. Quanto mais elaborado for acena, melhor a musica!
    PS: Persona is so fucking good!

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    1. Que bom. Sempre existe métodos diferentes de se chegar ao seu objeto criativo, e explorá-los até motiva a escrever mais. Não é raro saber de algum autor com algum tipo de mania estranha ao elaborar sua obra, haha.

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  2. Muito Obrigado pelo post ^^ eu estava precisando exatamente disso. Agora vamos transpirar pra caramba.

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  3. Ahhh socoooroo que post ótimoo <333
    Adorei demais as dicas! Meu problema é sempre o contrário, tenho uma dezena de personagens na minha cabeça mas não sei onde encaixar eles. Eu crio muitos personagens pensando em mapa astral ou nos tipos mbti, mas as vezes só ocorre de eu ouvir uma música e tentar pensar em uma história para quem está cantando ela, enfim... Também tenho um pouco de dificuldade com os coadjuvantes, porque fico querendo desenvolver tudo mundo e geral vira protagonista e vira uma bagunça descabelada haha ^^
    Vou com certeza reler sua postagem quando precisar de alguma orientação, e simplesmente amei essa ficha que você fez <3
    E quando RPG Maker, gosto muito de como foram trabalhados a G***** e a Enjel de Pocket Mirror e a Madotsuki por causa do que podemos extrair do Mundo dos Sonhos ^^

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    1. A dica pessoal que dou é de fato guardá-los, seja da forma que for.

      E sobre coadjuvantes sendo protagonistas, isso é bem comum. A dica é geralmente deixar o ponto de vista/objeto ativo na cena como o protagonista.

      Um exemplo disso é a relação Conan EdogawaxKaitou Kid. Apesar de Kaitou Kid ter sido um dos primeiros protagonistas do autor, em Detetive Conan ele é um coadjuvante que brilha muito em episódios focados nele, mas sempre o observamos da perspectiva de Conan. Com o surgimento do anime Magic Kaito 1412, temos a visão da mesma cena, só que do ponto de vista do Kaito, pondo Conan como coadjuvante e Kaito como protagonista. É bem legal assistir ao menos 1 episódio de um caso de Detetive Conan que foi exportado para Magic Kaito 1412, para que seja notado as nuances de dois personagens que tem desenvolvimento de protagonista, mas por estar "invadindo" a história do outro ganha status de coadjuvante.

      E sim, esses são ótimos exemplos de personagens <3

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    2. E se fizer isso, eu recomendo o episódio Kaitou Kid's Teleportation Magic <3 <3 <3

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  4. Que belo post, bicho! Adorei! E, nossa,encontrei na hora que estava precisando. Estava para fechar o site e abrir o Word quando vi o título, hahaha.
    A ficha para personagens ficou excelente, Neil. Agradeço demais. Tenho muita dificuldade em criar personagens diferentes do protagonista e preciso melhorar isso pra ontem. O post me deu um baita ânimo!

    Muito obrigada <3

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    1. Fico feliz que isso tenha ajudo você. São dicas simples mas que de fato muda muito o desenvolvimento de um personagem.

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